BRUNO RIBEIRO
DE SÃO PAULO
Uma obra na vizinhança, um bar em frente de casa ou --sempre ele-- o trânsito pesado da cidade. É difícil achar um local em São Paulo que seja livre de barulho.
A sãopaulo bem que tentou. Nas duas últimas semanas, a reportagem percorreu a capital com um decibelímetro (aparelho que mede os níveis de ruído) e, em lugar nenhum, obteve medições abaixo dos 55 decibéis. O máximo de poluição sonora que a prefeitura permite em áreas residenciais é 50 decibéis durante o dia --o mesmo limite recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Os sons mais altos identificados pela reportagem estão relacionados ao trânsito. Lideram o ranking do barulho caminhões subindo ladeiras, ambulâncias e suas sirenes estridentes e motoqueiros que buzinam.
A buzina de uma moto, medida dentro do túnel Fernando Vieira de Melo, em Pinheiros, zona oeste, emitiu 115 decibéis. Mais barulhenta, por exemplo, do que uma britadeira, que pontuou 108 decibéis em uma medição feita a 5 metros da máquina.
| Rodrigo Paiva/Folhapress |
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Buzina de motoqueiro no túnel Fernado Vieira de Melo, em Pinheiros; medição alcança 115 decibéis |
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"Os resultados são assustadores porque estão muito acima dos níveis de conforto estabelecidos", afirma a doutora em saúde ambiental Ana Claudia Fiorini, professora da PUC-SP e da Unifesp. Ao saber dos números, Ana Claudia classificou São Paulo como "bastante ruidosa" e relacionou a poluição sonora a uma série de problemas de saúde, que vão além das previsíveis perda de audição e dor de cabeça. "A população está sob risco de efeitos deletérios à saúde e, muitas vezes, desconhece tal fato."
Na lista de danos, está a perda de motivação e de concentração. Níveis tão altos, segundo ela, interferem em atividades cotidianas como dormir, descansar, estudar e se comunicar. "O barulho pode afetar a circulação sanguínea, causar doenças do coração e problemas de saúde mental."
Osmar Clayton Person, professor de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC, ressalta que todo barulho acima de 80 decibéis é "extremo" e pode causar surdez a longo prazo. "O ouvido tem 30 mil células especializadas em converter o som em informações elétricas para o cérebro. Barulhos extremos danificam essas células. E elas não são repostas."
| Rodrigo Paiva/Folhapress |
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Aparelho mede 96,9 decibéias enquanto feirante grita na rua Artur Prado, na Bela Vista, no centro |
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O estrago que os sons altos provocam depende do tempo que cada um fica exposto a eles e da resistência individual aos barulhos. "Mesmo que não danifiquem essas células, o barulho acelera o envelhecimento delas. Um indivíduo de 30 anos fica com um ouvido de alguém de 60."
TV, SÓ COM LEGENDA
Mesmo em lugares considerados tranquilos há mais barulho do que o recomendado. É o caso da praça Pôr do Sol, em Pinheiros, onde foi captado quase o mesmo nível de ruído de uma rua onde um prédio está sendo erguido (cerca de 70 decibéis).
| Rodrigo Paiva/Folhapress |
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Medição na praça Pôr do Sol, na zona oeste, também traz resultados maiores do que os recomendáveis |
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Embora não seja a situação mais barulhenta da cidade, o rumor constante de obras pode transformar a vida em pesadelo. Foi assim com o comerciante Roberto Izzo, 52, morador da Vila Leopoldina, bairro da zona oeste que passa por forte processo de verticalização.
"Às 7h eles já estão lá serrando, batendo, martelando. Às vezes, ficam até as 20h concretando a laje", diz. A obra, segundo ele, incomoda tanto que ver TV só é possível com as legendas ligadas. Para piorar, sua casa é vizinha à linha 8-diamante da CPTM, com trens passando o tempo todo, e, volta e meia, há helicópteros voando por lá. Por tudo isso, Roberto conta estar vivendo um "inferno" e, depois de morar no mesmo condomínio por quatro anos, está pensando em se mudar.
| Rodrigo Paiva/Folhapress |
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Decibelímetro em frente a edifícios na Vila Leopoldina, que passa por processo de verticalização
Uma saída menos radical é blindar a própria casa, com a instalação de janelas antirruídos. "É a medida mais eficiente para se proteger do barulho", diz Hamilton Ricardo Tambelini, engenheiro acústico e consultor de uma empresa de laudos sobre som. |
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A solução tem sido tão procurada que esse mercado está acompanhando o aquecimento do setor imobiliário. "Tivemos um aumento de 60% no número de pedidos de 2008 para cá. Antes, eram cerca de 60 chamados por mês. Agora, são em torno de cem", diz Nicole Alessandra Fischer de Morais, 23, gerente de marketing da Atenua Som, uma das primeiras lojas paulistanas do setor.
Os motivos de mais demanda, segundo Nicole, são dois. Os compradores de apartamentos na planta já estão instalando as janelas especiais antes mesmo de se mudarem. E, por outro lado, os vizinhos dessas novas torres tentam se proteger. "Os bairros Perdizes, Pinheiros e Vila Mariana são os que mais fazem chamados."
O BARULHO MORA AO LADO
A principal ação da prefeitura contra a poluição sonora é o Psiu (Programa de Silêncio Urbano). Criado em 1994 e modificado em 2002 para ficar mais rigoroso, ele tem como alvo pessoas jurídicas ruidosas, como bares, casas noturnas, igrejas e obras.
De janeiro a abril, a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras recebeu, em média, três queixas por hora. No período, aplicou 23 multas e fechou um bar por dia.
| Rodrigo Paiva/Folhapress |
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Calçada da esquina entre as ruas Aspicuelta e Mourato Coelho, na Vila Madalena, zona oeste da cidade |
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Uma das reclamações foi de Cláudia Pietro, 30, fisioterapeuta que mora em Pirituba (zona norte). Sua queixa, contra uma igreja evangélica, não teve resultado. "O culto dura mais de uma hora. A gente já tentou conversar com a igreja, mas não adianta."
As crises entre igrejas e seus vizinhos são comuns. De todas as reclamações feitas ao Psiu, 11% são contra elas, o terceiro grupo do ranking, atrás de bares até uma 1h e bares depois da 1h. O decibelímetro da sãopaulo captou 92 decibéis na calçada em frente a uma igreja evangélica da rua das Palmeiras, em Santa Cecília, no centro.
A própria prefeitura avalia as leis atuais como ineficientes. O secretário de Segurança Urbana, Edson Ortega, diz que a gestão Kassab discute uma nova lei do Psiu, que deve ser encaminhada à Câmara Municipal até o final deste ano.
Se aprovada, a medição poderá ser feita também por guardas-civis e policiais militares. Hoje, somente os fiscais do Psiu podem medir e multar -a prefeitura não diz o número de agentes. Outra alteração será no valor da punição, hoje entre R$ 5.100 e R$ 30,6 mil. Segundo o secretário, os novos números serão "astronômicos".
O discurso, no entanto, difere de um projeto de lei enviado à Câmara na última quarta-feira. A proposta livra empreendimentos com menos de 600 vagas de estacionamento e 40 mil m2 de mostrar estudos de impacto (incluindo de poluição sonora) para obterem licença para funcionar.
Enquanto as mudanças não saem, a dica da especialista Ana Claudia para evitar os ataques ao ouvido é fugir da exposição desnecessária a som alto: "Evitar buzinar, não abusar do volume da música e ficar longe de fontes ruidosas". Neste último caso, só mesmo se mudando de cidade.
| Rodrigo Paiva/Folhapress |
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Homem opera britadeira na rua Clélia, na Lapa, zona oeste da cidade; medidor chega a quase 109 decibéis |
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O RANKING DO BARULHO
1) Buzina de motoqueiros
Local: túnel Fernando Vieira de Melo, Pinheiros, zona oeste
115 decibéis
2) Caminhão e ônibus subindo a ladeira
Local: rodovia Anchieta, trecho urbano, Sacomã, zona sul
entre 86 e 110 decibéis
3) Aeroporto de Congonhas
Local: rua Gerenal João Gabi, Campo Belo, zona sul
entre 95 e 109 decibéis
4) Britadeira na rua
Local: obras particulares para reforma de calçadas da rua Clélia, Lapa, zona oeste
108 decibéis
5) Feira livre
Local: rua Artur Prado, 8232; Bela Vista, centro
entre 80 e 100 decibéis
6) Minhocão
Local: parte de cima do elevado, próximo à rua Dr. Albuquerque Lins, Santa Cecília, centro
entre 85 e 95 decibéis
7) Igreja evangélica
Local: rua das Palmeiras, Santa Cecília, centro
92 decibéis
8) Calçada de bar
Local: rua Aspicuelta x rua Mourato Coelho, Vila Madalena, zona oeste, onde há bares nas quatro esquinas
entre 75 e 90 decibéis
9) Prédio em construção
Local: rua Joaquim Ribeiro do Valle, Vila Leopoldina, zona oeste, onde há três torres "subindo"
entre 66 e 75 decibéis
10) Praça Pôr do Sol
Local: Pinheiros, zona oeste
entre 55 e 75 decibéis